A Júlia escreve uma analogia linda sobre o Comportamento Humano, sobre Nós! A Carta do Planeta Júpiter (maior planeta do Sistema Solar sem vida inteligente) à Terra e aos homens convida à uma reflexão. Júpiter tem ciúmes por que é grande, um planeta belo, porém sem habitantes mas, ao mesmo tempo se entristece, por que se fosse habitado estaria decepcionado como a Mãe Terra está.
Lindo texto, orgulho em tê-la aqui. Produzindo textos que nos façam pensar, sair do nosso “quadrado”. Leitura sensível, com olhar comprometido apenas em nos despertar para o mundo!
Meu convite: Saboreie todas as palavras que a Júlia nos oferece. Leia, uma, duas, três vezes! Releia, volte a ler. Vale a pena. Te garanto!
“Esta é uma carta à você, Terra, em primeiro lugar, e eu vou te explicar o por quê. Pra isso, intimo por meio do meu juízo os olhares críticos de quem puder interpretar os sentidos do homem e dos fenômenos.
Sou Júpiter, o jubiloso. Não sou a grande mancha que há em mim, nem mesmo as crateras minhas ou o meu anel de poeira (pouco suntuoso se comparado aos de Saturno). Eu sou o todo destas partes. Como numa gestalt, é preciso ver e compreender partes, para atingir o todo, e o inverso é verdadeiro. É por isso, que se escrevo a ti, escrevo aos teus homens. Eu sou área em massa, densidade invocada e o maior planeta do Sistema Solar. Sou um gigante gasoso abundante de substâncias como o hélio, e, curiosamente: uma imensidão desabitada até onde se possa comprovar. Tenho em mim 1.300 vezes o seu volume, mas aqui, não há uma vivalma
Eu já vi o Sol- Oh, Majestade grande estrela lúcida- girar nos entornos. Ele que tem quase a mesma composição minha, exceto pela densidade e calor que me superam. Já vi as muitas órbitas e os cálculos poucos, pra criaturas realmente curiosas. Teus filhos são pais da obra da ciência, a rejeitadora de vazios.
Te digo, eu já vi muita coisa a que posso pertencer e experienciar, exceto, a vida humana e ora, há uma graça conspícua nisso tudo. Pode ser que a lucidez que me envolve, tenha conduzido-me a ponderar o ciúme, mas sabendo do quanto tens se decepcionado como Mãe, às vezes eu agradeço pelo desconhecimento. Tenho sabido que se aborrece por estes homens representantes de um séquito de almas fétidas, gananciosas, que enganam o troco pra ganhar a barganha e entoam a lábia pra afiar a faca. Os que dramatizam a existência por mais medo da mediocridade do que da fome- enquanto bem sabem que há quem luta pra defender-se dela. Os que não reconhecem a prisão não só das grades, como das palavras, que não pensam ao descompassar a letra na linha assinando cruéis destinos que não os afetam.
Aliás, a pena, agora é caneta (esfero)gráfica. Os escritores, faladores, ouvintes, são também máquinas que ladram e perpetuam leis cujas regem o bem àqueles que pelo privilégio já são blindados. Desmatam, cercam, engessam, envernizam, gentrificam, violentam, sucateiam. Requintam males à moda da desordem que naturalizam. E a natureza? Essa já recebe as doses de descuido.
O pranto. O que é do todo, um deles é capaz de desejar ruir por não poder tomar. A(l)titudes, montes da ignorância gélida. Climas variados pros corações também. O teu filho é o homem cordial, que diz que ama matando no trânsito por raiva da batida, espancando por posse, controlando por algo que ele se sente bem em distorcer. Jogando restos aos cães, se demitindo da liberdade pra não assumir culpas, sequestrando por herança.
Por falar em herança, desde que a pena saiu de cena aos povos, junto com o tinteiro, a briga não é mais por terra mas por ideologia, com algema. Bradam agressões os que pensam que são reis, comumente por coisas que não beneficiam o coletivo.
Seus filhos, os homens. Hominizados. Abstêmios são chatos. Embriagados, presunçosos. Circunstanciam as identidades por valores químicos, abjetos. Precisam do álcool, da cola, da bala ou senão da coisa híbrida de seus fulgores, que estão em todos os amortecedores sintéticos que ele cria pra alcançar o prazer. Estes que também formam o gatilho de armas ideológicas que os servem pra atacar uns aos outros em polarizações políticas e divisões capazes de oprimir e deprimir- mesmo os que acham que transcendem.
Eu não falei de lisérgico, de erva nenhuma nem de nada específico. Até porque não sei qual seria a validade de condenar uns em detrimento de outros. Eu falei da degradação, das síndromes de pequeno poder. Da hipocrisia. De como é frágil esse filho que contratualiza guerras aos próprios destinos pulsionais que ele alimenta, às inclinações do desejo e não à mesquinharia que ele tem de sobra.
Pra esse homem a quem interessa a beleza das coisas – ainda que ela possa ser uma casca -eu digo: Não sou Saturno, o famoso belo e exibido – até casado em mais de uma aliança literal consigo mesmo, no cúmulo do narcisismo. Não sou Marte rubro da cor dos vernizes e daquilo que gostam de chamar de paixão, enamoramento.
Eu sou Júpiter e tenho me inquirido há um tempo: É melhor ser habitado por homens adoecidos, pobres de metamorfoses, ricos de dogmas e naturalizadores da violência, ou ser um planeta pobre de homens e talvez rico de todo o resto?”
Júlia Helena Rathier | Menina linda, de coração ímpar |Beltronense, Escritora, Membro do Departamento de Literatura da Secretaria de Cultura Municipal de Francisco Beltrão | Centro de Letras de Francisco Beltrão | Colunista “Sobre tudo sobretudo”, na revista Obvious Magazine aqui