Para minha sorte a Júlia esta de volta. Que saudades ela nos deixa com seus textos instigantes, pensativos e questionadores.
Júlia, obrigada. Confesso que até hoje tenho medo do bicho-papão…sim…tenho! Você me ajudou a entender que ele tem muitas facetas, basta observar, basta entender e vencê-lo né?
“Quem foi que nos disse que o bicho-papão só ataca á noite? E quem pode provar, que uma gravata não lhe serve bem? Quem disse, que o bicho-papão não pode usar beca? E quem disse que ele não continua a assustar, depois disso também?
Dentre tantas as versões de histórias sobre o bicho-papão, existe uma que notadamente não se encaixa só a um determinado público. Essa, muito coerente e já usada por J.K. Rowling, afirma que o bicho-papão é o tipo de criatura cuja horripilância é correspondente ao pior medo de cada pessoa, em particular.
Assim, ele não viria a possuir uma forma universal, mas a forma daquilo que tem o poder de mais assustar alguém, no momento em que aparecer.
Embora, eu ache coerente a hipótese de que ele poderia tranquilamente antes de tomar a forma de qualquer animal ou fenômeno, tomar a forma da monstruosidade humana, tenho percebido que pra mim ele é a vaidade intelectual. Que não está separada dessa monstruosidade, mas que leva um pedacinho horrendo dela, cujo eu chamaria de insuportável. Eu, declaradamente, tenho medo da vaidade intelectual humana.
A vaidade intelectual é a exortação da própria ignorância, que a gente também ignora. É o tipo de mal que faz a gente fechar os olhos pro fato de saber menos de um universo inteiro sobre tudo e qualquer coisa.
É o tipo de mal, que faz uma pessoa achar que “peleumonia” tem mais motivo pra não estar no dicionário, do que um enfermo com dor, tem motivo pra ser ouvido- ignorando também, que a língua é subjetividade e a comunicação carrega história individual que merece ser respeitada.
É o tipo de mal que faz a gente achar que um engravatado- que, pode saber maravilhas mas ainda continua a saber menos de um universo inteiro sobre tudo e qualquer coisa- tem mais a falar, do que um não engravatado.
Essa baboseira toda, não pode ser menos do que um erro crasso, mas a gente comete. Com vernizes, ou sem.
E como se fosse pouco, ainda piora quando a gente não admite a angústia que é, ver a cota de narcisismo que isso imprime por meio de referências, identificações.
A gente, não só deixa de suportar a própria incompetência, como também passa a recorrer à fontes que por alguma credibilidade sem cautela, podem virar dogmas sem que vejamos.
A universidade, por exemplo é um lugar que esse bicho-papão adora.
Porque além de ser um lugar onde existem criaturas doutas que por falha não pior do que a nossa, ditam a norma, é um lugar onde- talvez no nosso país não tão por acaso assim- há pessoas que a ela adoram e estão prontas a seguir.
E o bicho-papão da vaidade intelectual carece desse sinal de (in)segurança.
Há, claro, pessoas que sabem muito bem, da relevância de impedir que as teorias que bem se aplicam, massifiquem a verdade. E isso não é só na universidade.
A gente vê sim, lá, e por aí, muita gente que não deixa que a harmonia entre teoria e prática se torne o dogma que impede de criar.
Mas acontece que,o engodo do saber vem atravessar discursos com um acompanhamento que o ser humano já provou que adora: a autoridade. E por isso é tão comum, a tal da vaidade intelectual.
Vemos revistas, jornais, a cada vez mais exaltarem pessoas que parecem saber tudo sobre o que fazem- como se fosse possível- e deglutimos essas informações com a mesma naturalidade com que repetimo-las depois, às vezes sem o senso crítico de que é preciso para processá-las. Ingerimos então, o tempero de uma casca, porque depois, também mastigamos conteúdos para poder reproduzir, sem a coragem de discordar do que um engravatado fala.
É assim que se torna normal as pessoas impelirem-se a achar todo esse fenômeno de classificação-dos-melhores-nomes-de-uma-ciência-qualquer necessário, sem ver que isso invalida a nossa capacidade de interferir no status quo, e de sermos quem somos, ao próprio retrato da criatividade que nos foi dada.
Quem foi que nos disse que o bicho-papão só ataca á noite? E quem pode provar, que uma gravata não lhe serve bem? Quem disse, que o bicho-papão não pode usar beca? E quem disse que ele não continua a assustar, depois disso também?
O bicho-papão pode morar embaixo da cama da gente, mas a gente cresce e os medos também. E , ah, esse ataca quando a gente se vê diminuto perante à algo.
É preciso saber que se pra uns existe o medo da vaidade intelectual, para o qual há um bicho-papão, é porque existe, pra outros o medo de não tornar-se autoridade. Para o qual também existe um bicho-papão.
Não é curiosidade pra ninguém dizer, que em meio a esse cenário todo, existem também pessoas cujo o bicho-papão é a fome, ou a chuva. O desrespeito, a negligência. E esses, são dos que não param de aterrorizar tão facilmente quanto outros.
Se isso não é perigoso, eu queria saber, o que pode ser? Já faz tempo que eu quero parar de acreditar em bicho-papão, mas o ser humano não deixa.”