A Júlia Rathier traz um texto maravilhoso. Sinta a suavidade das palavras e deixe-se tocar! De todas as possibilidades de auto conhecimento a pele (e o seu toque) está entre as mais importantes formas. Somados aos gestos, as palavras e ao cheiro, é com a pele que ocorre a maior interação existente entre eu e você!
Vamos a essa leitura deliciosa:
“A reza desalinhada e simples à mãe dos prazeres sensoriais.O grande terreno das riquezas táteis: A pele.
A pele, maior órgão do corpo. A que recaem as responsabilidades do tato. Tarefa tátil, mais responsiva do que tu, querendo evitar o que não podes. Feito o arrepio na espinha do tocar noutro corpo estampado por poros, nasce a cena.
A cena de tu cedendo a algo que não imaginavas ceder um dia- isso antes apaixonar-se. Deveras, sentido não se discute e toque em pele não é touch. Sem tela que separa, é ao vivo, à cores e em texturas. Uma vez que se faz a travessia dessa estrada plana com as mãos, atravessa os limites desse sinal tão fartamente biológico quanto emocional, que é o toque.
Os córregos de suor salgado que deságuam, ao expelirem-se pelos poros. Os poros, orifícios mínimos, exímios narradores minimalistas do romance entre quatro paredes. Poros aglomerados, nascente poderosa. Codificam o imediato.
Glorifique suas inervações, vasos. Os vários, que ramificam uma gama de estruturas. Louve também às três divindades, que envolvem esse templo do teu corpo. Epiderme, mesoderme e derme. Santíssima trindade dérmica. Protetora destes vasos que carregam a tua seiva corrente. A seiva, o sangue. Cumprimente-o pelo eficiente trabalho em solicitude de te nutrir e àquela matéria pulsátil que o bombeia.
Aliás, bem lembrado. Essa matéria é a que faz mais vívidos os momentos, por nunca parar de bater. Resguardada pelos ossos e pela Madre Pele, tem quatro cavidades revestidas e abriga nela um tesouro átrio-ventricular.
Coisa danada, todo esse conjunto. Coisa danada, esse tal de coração. Adora se encostar noutro como ele pra decretar ternura, no que pra tu já parecia causa perdida. No juízo do abraço e contato de duas peles, ele – o coração – confirma o que o tato antes preludiou.
Os pelos, já eriçados o suficiente pra anunciar a paixão, têm o seu sustentáculo em raízes fixadas na majestosa.
Majestosa, mãe. Pele, a Madre. Pele amada.
Invólucro grandioso do teu existir. Que sentir-te-ia tu, sem ela? Agradeça-a pelos enésimos momentos em que ela proporcionou que diferenciaste o calor do frio. Tu sabes que essa tarefa não é só dela. Entretanto, a Madre leva o lugar de maior testemunha dos teus sentidos.
Concedeu a ti também, a experiência sensorial das cócegas provocadas por quem contigo gosta de rir, calafrios, cãibras e tudo o que disso podes extrair. Se não for pedir muito, preze-se a querer que ela em sua honrosa função de mãe generosa dos prazeres sensoriais, envelheça o quanto for possível. Pra que tu tenhas longa vida.
Pense bem antes de criticar as linhas em que ela narra a tua história com o tempo, pois essas dizem maravilhas sobre o teu mapa particular de jornada. Encare essas linhas como cicatrizes de uma luta recompensadora, que é viver.
E então, no fim dessa ode, pede a ela que teça por ti o emaranhado dos próximos eriçar de pelos em toques apaixonados. Os cruzamentos vindouros de mão, os futuros calores e frios. Vestindo a volúpia aveludada e vermelha, diga a ela: “Tu existe em mim p’reu ser tocada. E eu, na gratidão, farei a minha parte tratando de viver e sentir o que a vida me reservar. Te amo, minha pele. Minha história.””