A Camisa Vermelha

Fotografia | Dani Roncato

Essa camisa vermelha era da minha mãe, tem 41 anos de existência. Tudo nela tem história, minha tia Teresinha bordou a gola, foi confeccionada por uma costureira muito exigente e minha mãe usou para ser madrinha de um batizado com uma saia lápis branca, ela estava linda! Há alguns anos ganhei a peça da minha mãe. Eu que tenho um apreço infinito por tudo aquilo que carrega história, afetividade e é artesanal, fiquei muito feliz. Mês passado, quando eu e Dani pensamos no ensaio fotográfico, ela logo sugeriu “usa vermelho Flavi!”, confesso que não era minha opção de cor e, essa mesma sugestão veio de outra amiga – Juliana. É pra usar vermelho! Pois bem, fizemos as fotos e fui contando a história para a Dani, que fotografou os detalhes da blusa.

Compartilhei as fotos com minha prima Kellyn, praticamente na véspera da defesa do seu Doutorado e na nossa conversa a convidei para que escrevesse sobre a blusa, afinal a mãe dela havia bordado para a minha mãe Ana e também tinha uma camisa vermelha, que hoje está com a Kellyn. Ela defendeu seu Doutorado na sexta e, já no sábado o texto estava no meu e-mail.

Posso garantir aqui tudo tem afetividade, memória e uma amizade que iniciou com nossas mães e hoje nos aproximaram mais ainda. Espero que gostem e se conectem ao nosso pensamente, afinal a vida não é efêmera e nossas memórias nos acompanham sempre!

Flanar à Flaviana [flanando pela moda como Flaviana]

“Ao me deparar com a imagem da querida e admirada Flaviana, fui interceptada por um complexo conjunto de sensações sinestésicas que estão muito próximas da contemplação. O estado de contemplação está relacionado ao modo de ser daquele que se deixa seduzir pela beleza mirada. Essa sensação de estar em contemplação estética, além de nos inspirar a reconhecer, na experiência cotidiana, padrões do belo, nos desloca para outras apreensões e recepções. Isso acontece quando somos invadidos por sensações que não conseguimos explicar, porque parece que as palavras tornam-se insuficientes. Então, ficamos de olhos marejados, coração palpitante, corpo leve. Tudo ao nosso redor fica em câmera lenta. Vive-se um acontecimento que jamais se repetirá, por ser único e singular.

Algo semelhante a isso transcorreu quando vi o editorial da Flaviana. A blusa vermelha, levemente mercúrio e soberanamente sangue,  com suas largas golas bordadas, ganha nova vida na performance corporal da Flaviana. É um artefato muito antigo, bordado por minha mãe há pelo menos trinta anos atrás. Parece tão atual, mas nessa temporalidade do agora um velho sabor se sobrepõe, a memória. Sim, as coisas carregam a memória dos seus usuários e do tempo em que foram criadas, construídas ou fabricadas. No caso da blusa diáfana vermelha, a história têxtil não pode ser negada, pois este tecido já não se produz. Tal fato, entrega-nos a idade muito antiga dessa peça do vestuário que nos é apresentada em reatualização estética por Flaviana.

Essa é uma postura política da moda consciente que faz do uso do vestir um posicionamento consciente. Falamos da moda colecionável, do slow fashion, do feito à mão, do sob medida, das coletividades artesanais, dos criadores independentes e autorais. Uma moda que perdura, não acarreta danos ambientais ou de exploração humana. Por isso, essa postura do vestir imprime uma conduta contrária às enlouquecidas tendências temporárias e efêmeras absorvidas pelo fast fashion. Certa e consciente disso, Flaviana nos mostra que repaginar o antigo é a onda mais cool e cult da nossa atualidade.

Somos o que vestimos, nos diz Ronaldo Fraga que em suas coleções evoca memória, ancestralidade e sinestesia. Os artefatos de nossas mães, tias e avós são autorais, pois não se repetem, ninguém os têm. E o grande lampejo criativo é o de ser bricoleur que monta, justapõe, remodela o antigo no ultra atual. Isso configura ser original, singular, fashion, consciente e colecionador, uma grande aposta como fez Flaviana. Esta postura é sustentável e marca sofisticação sensorial, manifesta a emoção através das escolhas cotidianas de consumo e dos códigos da comunicação original dos produtos. Mulheres como Flaviana colocam-se no centro de uma revolução ética e estética cujo gosto narrativo pela memória assinala a opção pelo único, pelo artístico, pelo atemporal”.

Kellyn Batistela | Doutora em Artes Visuais, Processos Artísticos (PPGAV/CEART), pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), pesquisadora e bolsista FAPESC. Mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora de Design de Moda da UNISUL. Participou da 14a. Bienal Internacional de Curitiba – Polo SC, Fronteiras em aberto (2019), MASC/SC; Feira digital de publicações & arte impressa, Nona semanaria (2020) EBA/UFMG; Galeria virtual Festival Expancine – edição mulheres artistas catarinenses, edital contemplado pelo SCultura em Sua Casa, Fundação Catarinense de Cultura e Governo Federal, SC; Mostra fotográfica do Seminário Internacional Fazendo Gênero 12 (2021), UFSC/SC; III Exposição Internacional de Arte e Gênero, Fazendo Gênero 12 (2021). Desenvolve prática artística relacionada à arte feminina, arte de arquivo, escrita de si.

Link para Lattes: http://lattes.cnpq.br/5882375152066947

ORCID: http://orcid.org/0000-0002-7332-241X

E-mail: kellynbatistela@gmail.com

Instagram: kellynbatistela

Fotografia | Dani Roncato | Rua Sergipe, 668, Centro, Francisco Beltrão/Pr. | 46 99975 1456 | @droncato.ph

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