Eu vi Deus ontem

Eu vi Deus ontem, no ônibus.

Ele entrou descalço, tava vendendo bala.

Achei estranho Deus aparecer assim,

nem um chinelo ele tinha, tava meio sujo

o cabelo então, nem se fala.

Agora vê, logo Deus, que semana passada vi cantando num show,

todo aprumado,

que anteontem tava dançando com saia rodada

e mês passado tava lá na cadeira da universidade sentado.

Deus era preto mês passado e tava cursando psicologia,

achei afrontoso.

Típico de Deus, que hoje mesmo me apareceu no espelho quando eu chorava pela manhã.

E o que eu acho mais engraçado,

veja bem, é que Deus meio sem forma, meio sem contorno,

cabe em mim, cabe no outro

e ainda cabe num áudio de 3 minutos que uma amiga de outro estado me mandou.

Ele cabe numa sinfonia de orquestra, numa sanfona bem afinada

e nos berros da minha mãe.

Eu vejo Deus em tudo e se não vejo é porque não enxergo

se não ouço é porque não tenho ouvido

se não sinto é porque morri

mas acho até que consigo ver Deus depois de morto

até depois de vivo

até depois que ele desceu do ônibus sem vender nenhuma bala e me deu um sorriso.

Queria entender essa coisa do Espírito, de ser muitos, de ser um, dois e ninguém.

De transcender o tempo e de ser, ao mesmo tempo, vendedor de bala,

meu espelho, e mulher com saia rodada.

E de todos esses devaneios, que escrevi enquanto o ônibus Deus dirigia,

pensa só, que louco seria – ah, “bixo”

que revolução se daria se, por surto, ou poesia,

a gente, finalmente, entendesse que Deus

mora em mim e também mora no outro.

(Luana Galoni)

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